quinta-feira, 15 de abril de 2010

A Importância de Viajar

Há muita gente que acha que viajar é sobre gastar muito dinheiro a ir a sítios distantes tirar fotos ao maior número possível de igrejas.

A parte surpreendente é que muitas das pessoas que pensam desta maneira ainda assim viajam.

Graças às maravilhas da globalização estas pessoas podem, sem terem de abandonar o conforto das suas casas, através de livros ou da Internet, ver dezenas de fotos de praticamente qualquer sítio - e a verdade é que o fazem! Vêem fotos dos sítios que querem visitar e depois fazem milhares de quilómetros para irem lá tirar-lhes fotos.

Tipicamente estas pessoas dão-se também ao trabalho de aprender, quer através de leituras quer de visitas, guiadas ou a museus, imensos factos históricos acerca dos sítios que visitam - coisa que nunca perderam tempo a fazer no próprio sítio onde moram.

O meu tom subtilmente irónico poderá ter levado os mais perspicazes dos meus leitores a suspeitar que não partilho deste paradigma de viagem.

Este paradigma é fruto de uma má interpretação da funcionalidade das ferramentas ao dispor do turista conjugada com a grande falta de sentido crítico do ser humano comum - se toda a gente viaja desta maneira, é porque esta é a maneira certa de viajar. Certo?

Na verdade, uma das coisas mais importantes que aprendi ao viajar é para que é que realmente serve viajar.

Antes de ter alguma vez viajado a sério tinha alguma vontade e curiosidade de poder estar em pessoa nalguns sítios particularmente icónicos, daqueles que vemos muitas vezes nos media, só para poder dizer que tinha estado lá.

Mas de resto, não entendia o sentido de se gastar imenso dinheiro para ir "ver" um sítio. Não me parecia que fosse assim tão diferente de vê-lo na televisão, em livros, ou na Internet. Graças a estes meios, mesmo que quisesse estudar a história ou os factos acerca desse sítio podia fazê-lo sem ter de ir lá. Óbvio que não era exactamente a mesma coisa, mas também era infinitamente mais barato. E se aqui, no conforto de minha casa, tinha tudo o que precisava, porque haveria de estourar uma fortuna para sair daqui?

É claro que há sítios que são excepções e que se vai lá à procura de uma fonte directa de prazer da qual só se pode beneficiar presencialmente: uma estância de esqui ou uma praia de coqueiros, por exemplo - estes são geralmente sítios que procuramos por causa de uma determinada característica natural.

Mas ir visitar uma qualquer cidade só para "ficar a conhecê-la" parecia-me um desperdício de recursos.

Descobri-me enganado quando viajei pela primeira vez pela Europa.

Esta verdade parece-me ridiculamente óbvia agora, a pontos de quase me sentir embaraçado por a enunciar, mas na altura não era óbvia e aparentemente continua a não o ser para muitos viajantes, que continuam a dedicar as suas viagens a coleccionar igrejas:

Viajar serve para absorver outras culturas.

É apenas para isto que serve. Não é para ver museus, nem estudar a história, nem calcorrear as ruas, nem ver monumentos - estas actividades são apenas alguns meios altamente indirectos, de se absorver a verdadeira experiência da viagem - assimilar os modos de vida de outros povos. Uma experiência que é realmente a única que não pode ser obtida à distância, sem uma deslocação física ao local - porque a cultura não está nas coisas grandes, que aparecem nos livros e nos filmes e na Internet.

A cultura está nas pequenas coisas, coisas às vezes tão pequenas que passam despercebidas a qualquer olho menos atento.

Por exemplo, nos Estados Unidos da América, o preço de um livro está impresso na contracapa do próprio livro e não numa etiqueta removível.

Em Portugal é de mau tom oferecer uma prenda (como um livro) com o preço: pretende-se com isto dar ênfase ao valor emocional que a pessoa atribuirá à prenda e não ao seu valor monetário. Uma prenda bem escolhida é aquela que melhor reflecte o quão atento estivemos aos gostos e desejos da outra pessoa.

Ao observar que nos EUA essa preocupação não existe de todo podemos corroborar a ideia de que neste país o valor de algo é indissociável do seu valor monetário - confirmar, neste caso, o estereótipo capitalista do país.

Este tipo de introspecções surgirão com muito maior probabilidade ao fazer coisas tão mundanas como andar nos transportes públicos e pedir comida num restaurante do que a ver igrejas. É na componente rotineira das viagens que estão os seus maiores tesouros. Quando paramos de nos comportar como turistas e começamos a fazer aquilo que os locais fazem. Aí aprendemos coisas novas.

Em Roma, sê romano - é o melhor conselho que qualquer viajante pode seguir.

Absorver os pequenos pormenores culturais passa obviamente por perceber que a maior parte deles não serão encontrados ao interagir com coisas mas sim com pessoas. Assim, a componente social de uma viagem é da máxima importância: muito mais importante do que ver sítios, é meter conversa com toda a gente, perguntar tudo e mais alguma coisa e ganhar assim uma noção da forma de pensar e de agir das pessoas. Perceber de que maneira é diferente da nossa e interrogarmo-nos em que aspectos será melhor do que a nossa - o crescimento pessoal só pode acontecer quando estamos fora do ambiente que nos rodeia, quando estamos num ambiente que nos desafia, que nos faz questionar o modo como agimos. Isto por si só é motivo suficiente para se viajar.

A melhor parte é que a grande maioria das vezes estes pequenos pormenores que vamos absorvendo ajudam-nos não a confirmar estereótipos, mas pelo contrário, a desfazê-los - e desfazer estereótipos errados é a grande recompensa que se obtém ao absorver a cultura de um povo: permite-nos ganhar um conhecimento mais preciso do mundo que nos rodeia, um conhecimento livre de preconceitos.

Isto é particularmente importante porque normalmente os preconceitos que temos em relação àquilo que não conhecemos são negativos - está-nos nos genes o medo do desconhecido.

Imaginamos normalmente os sítios distantes que nunca visitámos como tendo um ambiente hostil e pouco convidativo.

No Brasil não podes andar nas ruas, porque és logo assaltado e terás sorte se não levares uma facada.

No México o mais provável é seres raptado para seres trocado por um chorudo resgate.

A França está cheia de xenófobos que não suportam estrangeiros.

Na Suiça as pessoas são todas mal-encaradas e antipáticas.

No Irão serás sequestrado e cortar-te-ão a cabeça.

Em Marrocos vais-te perder no meio de ruelas labirínticas e acabarás a tomar um chá sedativo e acordarás nu no meio do deserto.

Na Austrália vais ser muito provavelmente picado por uma serpente venenosa e morrer.

A visão da pessoa comum é a de que o único sítio decente para viver é aquele onde ela vive.

Todos os outros estão cheios de ameaças emboscadas em cada canto, e maiores e mais temíveis serão estas ameaças quanto mais distante e desconhecido for o sítio.

O facto de a maioria dos habitantes da Terra terem este mesmo sentimento não é nenhum paradoxo: prova apenas que a maioria dos habitantes da Terra está errado.

A verdade, simultaneamente reveladora e profundamente enfadonha é que, mais coisa menos coisa, todos os seres humanos são muito parecidos e procuram todos as mesmas coisas: amarem, serem amados e viverem em paz e em sossego.

Daí acontecer que quando viajamos a nossa experiência divirja quase sempre dos preconceitos negativos que tínhamos.

Se toda a gente testemunhasse o quão verdade isto é, acredito que daríamos um grande passo na direcção de um mundo com menos medo, mais tolerância, mais compreensão e menos conflito. Um mundo mais pacífico.

E é esta a derradeira Importância de Viajar - forçarmo-nos a sair da nossa zona de conforto e descobrir que afinal do outro lado do mundo as pessoas não são assim tão más de todo - na realidade são tão parecidas connosco que até aborrece.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Autorização para entrar nos Estados Unidos da América

Tive de responder a um questionário online de antemão para ser autorizado a entrar no país.

A natureza das suas perguntas, de resposta sim ou não, é no mínimo desconcertante. Aqui vai a sua transcrição exacta:

A)
Não
B)
Não
C)
Não
D)
Não
E)
Não
F)
Não

A melhor de todas para mim é: "já esteve ou está agora envolvido em espionagem ou sabotagem?".

Já estava à espera que a alínea G) tivesse uma punch line em que perceberia que isto era tudo na brincadeira, do tipo:

G) Queres namorar comigo?

E eu diria "ah estes americanos... são mesmo brincalhões!"

Mas não havia alínea G). Era mesmo tudo a sério.

Agora estou com medo.

terça-feira, 6 de abril de 2010

T minus 3 days

Daqui a 3 dias vou-me meter num engenho que durante 7 horas vai queimar combustível na tentativa de transpor os quase 6000 km de oceano que me separam do Novo Mundo.


Nunca na minha vida vou ter estado tão longe de casa.